sexta-feira, 23 de março de 2012

Temos asas


 anomamo girl holds aracari in Parima Tapirapeco National Park (Venezuela)
© Art Wolfe/Art Wolfe Stock









"Isabel: Tu não tens livros e nunca estiveste num colégio nem numa universidade , como é que sabes tantas coisas?
Anão: Bem, nós os anões, vivemos quinhentos anos e assim temos tempo de ver muito, ouvir muito, pensar muito! E temos uma grande memória. Quando somos novos, os velhos anões contam-nos tudo quanto viram, durante os cinco séculos da sua existência. E também nos contam tudo quanto os pais deles lhes ensinaram. Ora um anão quando ouve uma coisa fica a sabê-la de cor para sempre. É por isso que eu te posso contar histórias que se passaram há mais de mil anos. Além disso viajamos muito.
Isabel: como é que podes viajar? Com umas pernas tão pequenas?
Anão: Viajamos pelo mundo todo a cavalo nos pássaros. Nós somos grandes amigos dos pássaros. E quando eles na Primavera e no Outono emigram em bandos levam – nos com eles sempre que nós temos vontade de mudar de sítio ou de ir ver o mundo. Eu já estive na Pérsia, no pólo norte na índia e fui com uma cegonha branca desde a Alsácia até ao norte de África. È por isso que sei todas as línguas da terra, as dos homens e as dos animais. Sei conversar com um turco e sei conversar com uma perdiz. "
excerto do diálogo de Isabel e do anão da obra "a floresta" de Sophia de Mello Breyner 



Asas

Nós nascemos para ter asas meus amigos.
Não se esqueçam de escrever por dentro do peito: nós nascemos para ter asas.
No entanto, em épocas remotas vieram com dedos pesados de ferrugem para gastar as nossas asas assim como se gastam tostões.
Cortaram-nos as asas como se fôssemos apenas operários obedientes, estudantes atenciosos, leitores ingénuos de notícias sensacionais, gente pouca, pouca e seca.
Apesar disso, sábios, estudiosos do arco-íris e de coisas transparentes, afirmam que as asas dos homens crescem mesmo depois de cortadas, e, novamente cortadas de novo voltam a ser.
Aceitemos essa hipótese, apesar de não termos dela qualquer confirmação prática.
Por hoje é tudo. Abram as janelas. Podem sair.

José Fanha, 1985, Cartas de Marear 

Mónica Mendes 2007/08

Há tempos atrás na peça "Ecos" Mónica Mendes, como pássaro verde , então aluna do clube de teatro disse este poema. É bom lembrá-lo sempre : o momento e as palavras 



Sem comentários:

Enviar um comentário